O Patrício era um menino
extraordinário que veio com a família, das barracas, para uma habitação social
no Bairro de Perafita. Conheci-o ainda pequenito no Jardim de Infância mas foi
sobretudo na escola do 1º ciclo que tive um maior contacto com ele. Desde
novinho que revelava uma sensibilidade especial e diferente das demais
crianças. Normalmente calmo e observador era vulgar vê-lo no jardim da escola a
observar as flores. O seu realojamento no Bairro não foi sinónimo de melhores
condições de vida. A desgraça abateu-se sobre aquela casa. O pai, sustento da
família sofreu uma trombose e ficou incapacitado. A mãe ficou deprimida e a
casa ficou sem rumo… notava-se que andavam andrajosos , sujos, magros. Faltava
tudo naquela habitação. Não tinham luz, nem água, e muitas vezes eram vistos
nos contentores do lixo à procura de comida. Ora o Patrício andava na escola…aí
chegava diariamente cada vez mais branco, sempre com a mesma roupa e mal
arranjado. Tinha no entanto um enorme sentido de família. Foi difícil descobrir
que não havia comida naquela casa porque ele para proteger a mãe nunca se
queixou da falta de refeições. Mas tudo ganhou grandes proporções e a anemia
comprovada não podia permitir que aquela condição continuasse. Assim, a sua sobrevivência levou-o a ele e aos irmãos
mais novos, para uma instituição.!…Tenho saudades das conversas ingénuas e dos
comentários sensatos com que me premiava cada dia que o levava ao
"colégio". Parava para lanchar com ele e, ele para devorar comida
comigo. Eu tinha apetite, ele tinha fome!…Com ele aprendi a ver o mundo de
outra forma e a reparar em pormenores. O que para mim era banal para ele era
extraordinário. Andar com ele em determinados locais era como que trazer ao meu
lado alguém que tivesse vindo de outro mundo…a sua educação, humildade e
sensibilidade ficarão perpetuamente na minha mente. Há anos que não
sei dele!...sei o que ele me deixou!
Toques...
toque de saída da escola
Teu recolher obrigatório
Regresso a casa
Casa…campo de concentração
Onde, és escravo de um lar,
prisioneiro de uma pobreza,
vítima de loucas decisões
abandonado a ti próprio.
Teu recolher obrigatório
Regresso a casa
Casa…campo de concentração
Onde, és escravo de um lar,
prisioneiro de uma pobreza,
vítima de loucas decisões
abandonado a ti próprio.
E só, na confusão do caos e do nada
Enfiado em trapos sujos de dias
és alimento de parasitas…
sem alimento próprio.
Até quando?…
Enquanto sobreviveres?
Enfiado em trapos sujos de dias
és alimento de parasitas…
sem alimento próprio.
Até quando?…
Enquanto sobreviveres?
Aguardas um toque de saída de casa!
Raquel Alves (2003)
1 comentário:
Comovente, mesmo!
Belita
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