quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

O que faz partir um dente!


Um dente fracturado foi motivo para uma consulta de emergência ao Dentista. Na realidade eu e os médicos não temos daquelas convivências regulares mas só de imaginar uma possível dor de dentes, nem hesitei! E não sendo eu cliente assídua da medicina dentária, mas sendo mulher de fidelidades, fui à minha dentista em Sá da Bandeira (Porto). Cheguei cedo à baixa portuense. Como não habito nem trabalho no centro da cidade, é para mim um privilégio poder percorrer estas ruas da urbe a meio da semana, em horário laboral. Então percorro e sorvo o momento. Quase radiografo os prédios desabitados e os poucos que vão sendo recuperados, olho as montras, os transeuntes, as cores e respiro os odores.
Pois…A abertura das lojas tem um horário mais tardio o que torna a manhã da cidade mais calma, quanto a mim! Há um ritmo e uma pulsação diferentes na vida da cidade. A baixa vive essencialmente do comércio e a maioria só abre às 10h. Assim, as ruas de Santa Catarina , Sá da Bandeira, Passos Manuel, vêem-se percorridas por algumas pessoas, enquanto os passeios e vidros são lavados, os gradeamentos são corridos e as portas das lojas começam a abrir. Há cerca de vinte anos atrás estas práticas faziam-se mas num outro horário!...(Será que as escolas não devem ponderar abrir com o mesmo horário comercial? Se calhar ficavam mais ajustadas socialmente).
Só um homem teimava em cumprir o horário tradicional de outrora…um cego que com uma voz pausada, metálica e forte repetia a sua cantilena de pedinte, sempre igual faz séculos. E essa voz como que escorria por toda a Rua de Santa Catarina…
Em bastantes lojas as meninas bem maquilhadas, penteadas e vestidas atrás dos pequenos balcões, demonstram as suas qualidades linguísticas quando teimam em falar alto com a colega do balcão do lado (que parece um clone). Lembram-me as senhoras do bairro às varandas, a conversar de varanda para varanda…Prefiro a gentileza dos velhos. Entrar nessas Lojas, como a dos Armazéns do Anjo é como sentir que ainda há gente educada, que atende com deferência, que sabe articular bem as palavras com um português simpático, sem ser berrado.
Algo permanece inalterado…as abordagens para donativos. É que distraída com as observações e os meus próprios pensamentos esqueci-me da minha máxima de jovem : “Andar na rua à defesa”. Só assim escapava aos pedintes e aos assaltantes por “esticão”.
Resumindo…o dente já está tratado! A Dentista continua linda, apesar dos anos.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Metro


A recente abertura da nova linha do Metro na área do Grande Porto foi motor destes pensamentos.
Na realidade fico fascinada com o espaço , a simplicidade e a liberdade que são oferecidos pela arquitectura e pela organização das estações do Metro do Porto.Vivendo nós num país que por vezes sinto tão Terceiro-mundista, estes espaços são uma demonstração de desenvolvimento.Somos um povo, que dadas as características latinas, é dado à “espertice” e à “tramóia”. Temos que juntar a isso o cosmopolitismo…Assim, para além das normas sociais serem divulgadas têm sempre associados mecanismos de as fazer cumprir. O Metro parece o oposto dessas posturas. O espaço é amplo, de perfeita liberdade. O cidadão age por consciência e não por coacção. Compra o título de transporte adequado, passa-o num dispositivo simples, sem gradeamentos a delimitar e dirige-se para a plataforma a fim de apanhar o metro que lhe convém. Isto sim, é digno de um pais desenvolvido em que o civismo, a cidadania e a responsabilidade são enaltecidos. Todos os que por opção não viajarem com o titulo de transporte, terão que responder pelos seus actos…são livres mas terão que responder pelas suas escolhas e incumprimentos. Metro assim, nem em Paris, nem em muitas capitais Europeias! Eu acho mesmo fantástico! Quando entro nas estações de metro do Porto até parece que estou num país diferente, em que o conceito de responsabilidade, liberdade, respeito pelas normas sociais, sentido de cuidado pelo bem comum, são o viver quotidiano de um povo.
O pior é quando saio de lá!...

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Esperança...para 2011 e sempre


Dez réis de esperança

Se não fosse esta certeza
que nem sei de onde me vem,
não comia, nem bebia,
nem falava com ninguém.
Acocorava-me a um canto,
no mais escuro que houvesse,
punha os joelhos á boca
e viesse o que viesse.
Não fossem os olhos grandes
do ingénuo adolescente,
a chuva das penas brancas
a cair impertinente,
aquele incógnito rosto,
pintado em tons de aguarela,
que sonha no frio encosto
da vidraça da janela,
não fosse a imensa piedade
dos homens que não cresceram,
que ouviram, viram, ouviram,
viram, e não perceberam,
essas máscaras selectas,
antologia do espanto,
flores sem caule, flutuando
no pranto do desencanto,
se não fosse a fome e a sede
dessa humanidade exangue,
roía as unhas e os dedos
até os fazer em sangue.

António Gedeão