sábado, 27 de fevereiro de 2010

Domingos Barbosa


Vivo rodeada de pessoas. Aquelas por quem passo inadvertidamente, aquelas que os horários nos comprometem a ver diariamente e, aquelas que têm uma história especial que se cruza com a minha própria existência.
Uma das pessoas marcantes que conheci, desde sempre, foi o Sr. Domingos Barbosa, agora já octogenário há uns anos! Poderia aqui tentar descrever o que o torna realmente especial. É-me difícil fazê-lo. A imensa ternura, admiração e o respeito que lhe tenho esvaziam-me de palavras correctas para o fazer. Fica uma emoção forte dentro de mim...
Sei que a sua vida brevemente terminará. Hoje em forma de desabafo e de homenagem deixo a sua foto num momento de declamação e um poema que, julgo, ele subscreveria, sem receio.

e, depois de eu morrer...
Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples.
Tem só duas datas-- a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra todos os dias são meus.
 
Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as coisas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
Compreendi que as coisas são reais e todas diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.
Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.
Além disso fui o único poeta da Natureza.
 
                                         Alberto Caeiro

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

A ti Priscila...


Despedida

Uma parte de mim
parte sem mim
e, assim, partida,
em mim nasce repartida,
ávida e sem fim,
a vida inteira, enfim.


Mia Couto - 2004

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Noivado...casamento

Errar

Na escolinha,
a menina,propícia a equívocos, disse:
- Masculino de noiva é navio.

Repreenderam, riscaram, descontaram.

Mas ela estava certa.

Noivados são mares
de barcos pares.

Mia Couto - Maputo, 2006


Sem qualquer erro ou hesitação, desejo uma boa viagem aos noivos, ao casal!...Viva!

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Para além dos Invernos

Vive uma árvore já adulta, num jardim de uma vivenda, numa Avenida de Valongo. Igual a tantas outras, desnuda-se pelo Inverno e tem folhas verdejantes em pleno Verão. Grande parte do ano é uma árvore vulgar. Estamos em pleno Inverno e eu olho-a em cada dia. Tronco escuro e ramos como que em forma de raízes a tentarem prender-se ao céu. Parece uma árvore seca, sem graça alguma. Passam-se meses em que a vejo assim.

Porém, eu sei que no final de Janeiro, mesmo com o céu toldado de cinzento e um frio de nos gelar os ossos, ela inicia o seu florescimento. Aí está a sua identidade. E eu conheço-a!Os meus olhos fazem o parto desse nascimento.

Olho-a sempre com a certeza desse alvo florir. Antecipo a visão de beleza que me vai deslumbrar. Sei que há um belo segredo no interior da seiva dessa Magnólia.

Ah! Se nós conseguíssemos olhar mais além!

Quantas pessoas são como esta árvore? Guardam uma beleza interior que nós não vislumbramos. Vemos o agora, o imediato e nem colocamos como hipótese a esperança! Quantas pessoas não vemos, ou só as vemos porque parecem ressequidas! Mas o pior é derrubá-las pela sua aparência!