sábado, 26 de dezembro de 2009

NATAL


"...O Natal é um poema. Nele Deus se revela como criança. O Deus adulto é terrível: grave, sério, não ri, não dorme, seus olhos estão sempre abertos e nem mesmo têm pálpebras, jamais esquece, e registra tudo nos seus livros de contabilidade que serão abertos no Dia do Juízo para o acerto final de contas. O Deus adulto dá medo. Nele não há amor. Isso nada tem a ver com uma criança: criança é esquecimento, riso, brinquedo, um eterno começo… Não é por acaso que o Menino Jesus tenha fugido do Deus adulto.

Prefiro o Deus criança. No colo de um Deus criança eu posso dormir tranquilo."

Rubem Alves

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Carta ao menino Jesus


"Querido Menino Jesus:
Este ano comportei-me muito bem e, por isso, peço-te que faças o favor de me trazeres uma bicicleta nova.
Com um beijinho
Joãozinho"

Põe a carta debaixo da árvore de Natal e vê a imagem de Maria que, do presépio, olha fixamente para ele. Arrependido rasga a carta e escreve novamente:

"Querido Menino Jesus:
Creio que este ano me comportei bem;fazes o favor de me trazeres uma bicicleta.
Atentamente
Joãozinho"

Dispõe-se a colocar novamente a carta debaixo da árvore, quando observa que Maria continua a olhar fixamente para ele. Rasga de novo a carta e volta a escrever:

"Querido Menino Jesus:
Este ano não me comportei lá muito bem mas, se me trouxeres uma bicicleta, prometo comportar-me melhor no próximo ano.
Joãozinho"

Vai levar novamente a carta à árvore mas repara que Maria não retira os olhos dele.
Rasga outra vez a carta e desesperado, agarra a imagem de Maria e mete-a dentro de uma caixa que esconde em seguida.

Escreve de novo:
"Jesus:
Tenho aqui sequestrada a tua mãe. Se quiseres voltar a vê-la, deixa uma bicicleta debaixo da árvore de Natal e não vale a pena intentares chamar a policia Judiciária.
Joãozinho"

(Este texto foi recolhido de uma revista e o seu autor é João Manso)

domingo, 13 de dezembro de 2009

Dedicado à mãe Hiolanda

Pequeno poema

Quando eu nasci,
ficou tudo como estava.

Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve Estrelas a mais... Somente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu.

Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.

As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém...

Para que o dia fosse enorme,
bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha Mãe..
.


Sebastião da Gama

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Sem ver

Passamos pelas coisas sem as ver

Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos.

As Mãos e os Frutos
Eugénio de Andrade 1923-2005)

Luto contra esta falta de visão, este adormecimento de um olhar toldado pela rotina, pelo desânimo, pelo peso dos dias de tédio. Como passar por tanta coisa que nos pode estremecer de encanto, de deslumbramento e seguir com umas palas que só nos deixam ver os buracos do chão, o lixo. Até nas folhas caídas e pintadas pelo outono, apenas ver lixo...
Não haverá oftalmologista que nos valha! Chamem os poetas e a magia. Lavem o olhar...