quarta-feira, 9 de junho de 2010

Quero sabedoria II


Este post é a conversão de um comentário do meu amigo Tsiwari, que eu aqui vos lanço como uma bela reflexão. Não conhecia este episódio. Obrigada meu amigo!

Aos 17 anos, imberbe e cândido, possuía na gaveta toda a natureza metrificada e escrita, num caderno a que pus este título de sabor botânico: Lírios do Monte. Anos depois (...) parti com um amigo em peregrinação de estudo para o campo (...) - Olha: aqui tens os abrolhos. Já os conhecias? - Não, respondia eu, em êxtase de ignorância lírica. Só sabia que abrolhos rimavam com olhos. E as boninas? As que rimam com as colinas? Onde estão? (...) Um dia encontrámos no vale uma flor entranhamente roxa. - Que é? perguntei curioso. Nunca vi essa flor! - Nem eu, respondeu o meu companheiro (...) Passados dias (meu Deus! Que vergonha!) entra-me o meu amigo pelo quarto, a gritar: - Sabes que flor é? - Não! - Não fazes ideia, pá? - Não! - Faz um esforço! - Não! - Pois ouve e não desmaies: é um lírio do monte! (...) Quando lembro este episódio e folheio, colérico, os ignóbeis Lírios do Monte, sinto ganas de ir à procura de todos os meus antigos professores do liceu para pedir-lhes explicações e quebrar-lhes a cara! (...) Vocês são os responsáveis de tudo: das boninas, das avenas, dos abrolhos a rimarem com olhos, dos lírios a rimarem com martírios e de toda a minha ignorância do mundo exterior a empurrar-me para a ilusão de só existir beleza dentro de mim.
José Gomes Ferreira, O Mundo dos Outros

1 comentário:

tsiwari disse...

Um presidente de Conselho Pedagógico tem por hábito terminar as reuniões com uma reflexão...
Esta foi uma das que usou - cuidado com o que tentamos ensinar.


:)*