Onde passa tanta gente,
Uns vêem pedras pisadas,
Mas outros gnomos e fadas
Num halo resplandecente!
Inútil seguir vizinhos,
Querer ser depois ou ser antes.
Cada um é seus caminhos!
Onde Sancho vê moinhos,
D. Quixote vê Gigantes…
Todas as visões são leituras e
todas as leituras são marcadamente culturais e pessoais e direi mesmo,
circunstanciais. Cada vez estou mais
certa disto!
Nasci no Porto há muito! Vivi o
Porto como cidade natal, aí cresci, me desenvolvi tendo dele uma perceção muito
intimista. Uma visão de portuense, cristã, com uma forte herança familiar e simultaneamente
sentindo-me cidadã do mundo. A minha visão é um misto de vivido, de herdado, de
sentido e fruído pelo meu próprio percurso. Mas tendo a capacidade de me
deslumbrar e comover, aprecio neste meu Porto as fachadas antigas mas sinto-o
frio, triste e descuidado. E para que esse feio envelhecimento não me choque,
deixei de observar tanto…percorro-o e cruzo-me com uma imensidão de pessoas sem
atentar muito na sua origem. Vivo no Porto, desloco-me sem ter muito consciência
disso. Mas, detalhes banais podem ganhar repentinamente outra dimensão quando
partilhamos a cidade com alguém com um outro olhar. Surge um degustar diferente
da cidade! E o que para uma cidadã europeia parece insignificante e banal,
passa a ter outra leitura num olhar árabe vindo do deserto norte africano…E do
meio da multidão anónima brotam cumprimentos árabes e vénias. E cruzam-se
sorrisos com saudações francesas. Descobrimos pela primeira vez lojas que
existiam há séculos! E a beleza das gaivotas é enaltecida. E procuram-se
mesquitas no meio dos edifícios. Há um deslumbramento pela condução organizada
e fotografam-se todas as fontes como dádivas de Deus. Observam-se as árvores ao
pormenor e descobre-se que as bolotas podem ser cozinhadas em África mas aqui,
não são comestíveis. E há o escândalo pela publicidade da TEZENIS a uma
lingerie exposta por uma jovem semi despida, em mais de 20 expositores! E bebe-se muito chá! Nos
restaurantes uma pergunta estranha quanto ao prato de carne…”Foi através de
abate ritual islâmico?...não?”. As poucas camélias chamam a atenção.Nas compras em vão se discutiam preços! E a
corrente do rio Douro a abraçar o mar torna-se ainda mais fascinante. As pontes magnificas! E colocar algo
no lixo…para-se a perguntar qual o contentor e o porquê de tantas cores. E
descobre-se que há uma enormidade de lojas com produtos típicos para turistas
mas, muitos chineses e paquistaneses à mistura. E é incompreensível a estatuária no interior das Igrejas...santos? o que é isso? Só há um Deus!Compra-se uma toalha vermelha
com bordados de Natal, sem saber o que é o Natal, mas a toalha é bonita e isso
basta! Sente-se o frio outonal e dá-se valor à chuva mesmo estando de sandálias!
…Vê moinhos? São moinhos!
Vê gigantes? São gigantes!
(parte do poema de António Gedeão - Impressão Digital; Foto: Said na Boavista-Porto)
1 comentário:
Que bonito.... ;))))
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